Relacionamentos

IADE-ESD - Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing - Escola Superior de Design  - Mestrado em Teoria da Cultura Visual
Fotografia e Identidade

Este Blog é um trabalho sobre "a intimidade" em suas múltiplas manifestações; entretanto, optei por abordar o "beijo", e o relacionamento íntimo em que o artista plástico brasileiro (São Paulo) Hudinilson Jr., mantém com uma máquina fotocopiadora. 






a estrela cadente

me caiu ainda quente 

na palma da mão 


               Paulo Leminski





acordei bemol 

tudo estava sustenido 

sol fazia 

só não fazia sentido 


             Paulo Leminski

Hudnilson Jr

Xerografia

Para Hudinilson a Xerografia ou “arte xerox” começou quando o departamento de artes da USP-Universidade de São Paulo ganhou uma máquina fotocopiadora para os alunos. Coerente com sua temática, a primeira coisa que pensou foi de manter uma relação sexual com a máquina, e foi o que fez. Conseguiu uma fotocopiadora emprestada de uma amigo e copiou (xerocou) o corpo inteiro fragmentando-o, em uma performance que não durava mais do que quinze minutos, resultando mais ou menos em torno de umas duzentas e cinqüenta cópias. Chamou essa série de Exercícios de Me Ver. Era uma explosão de sensualidade e erotismo, onde começava a copiar o rosto, aí se abria o macacão e descia pelo peito até ficar totalmente nu. A cada instante a fotocopiadora reproduzia cópias da imagem de seu ato, nas quais caiam pelo chão e eram pegas pelas pessoas que assistiam a performance, como um souvenir da ação intensa e íntima do artista. Seu próprio corpo, como um reflexo no espelho, era visto por ele mesmo,  mas também era visto pelos outros que ali estavam, numa espécie de compartilhamento da sua própria intimidade fragmentada e repartida com outros corpos, no mesmo instante. Nessa obra a fotocopiadora deixou de ser um suporte da obra, para ser a própria obra do artista, pois Hudinilson dominou seus limites na tentativa de inverter algumas relações e fazer como se a máquina fosse tanto um veículo como co-autora do trabalho. 


A intimidade

Em sua poética particular, Hudinilson passou então a usar a máquina, totalmente nu, em plena ação, copiando cada parte de seu corpo num gesto impessoal e erótico, onde essa relação sexual com o objeto geraria muitos filhos, em tamanho A4 e preto-e-branco. Numa espécie de narcisismo contemporâneo, o artista fita com seu olho, também reproduzido pela máquina, sua própria imagem no vidro, demonstrando o desejo que tem pelo outro como o desejo que tem de dele mesmo e a revelação da impossibilidade. Quando o artista olha para o vidro da fotocopiadora, ele está na verdade a olhar para dentro de si na tentativa de  furar a pele/carne e tomar consciencia da sua própria alma numa busca incontrolável pelo seu interior. Da mesma maneira em que se copiava tentava se achar, se encontrar consigo mesmo. Ao mesmo tempo em que o Exercício de Me Ver expõem seu corpo, expõem também o interior  e a sua alma.


Como resultado ele compartilha a sua intimidade de forma banal para quem quiser estar mais próximo da relação sexual entre esses dois “corpos” e levar para casa, como se fosse parte de seu corpo, ou um resto ou fluído seu. Nesse caso, não se trata só de um filho gerado por uma relação, mas de um pedaço fatiado de seu corpo, semelhante aos artistas da Art of  the Body . De forma impessoal o corpo pode ser visto como um objeto ou uma massa corpórea que é utilizada como meio para acessar o seu interior, é um  corpo que pode ser manipulado, fatiado, observado, enfim, totalmente exposto  aos olhares.


Hudinilson faz parte de uma geração para a qual o prazer era uma “moeda muito cara”. Em suas obras revelava-se uma personalidade vulcânica e sensual, um pouco também pela natureza erótica de seus trabalhos. Em meio a discussões e aceitações, ou não aceitações, e no momento em que a América Latina ainda engatinhava no debate entre homem x tecnologia, Hudinilson se copiava e se remontava utilizando a colagem, ou o grafite ou até a própria fotocópia, brincando com a sua imagem. A busca de si na projeção do outro propôs também situações de relacionamento entre o espectador e o artista e a sua reflexão nas questões de uma metrópole como São Paulo em desespero,  impedida de se ver no espelho, tal qual seu personagem favorito.